Superendividamento do consumidor exige procedimento judicial específico

Não há direito ao reconhecimento da situação de superendividamento do consumidor em processo judicial que descumpre o procedimento do artigo 104-A do Código de Defesa do Consumidor. Esse foi o resultado do julgamento, em 1º grau, da ação judicial que visava a suspensão dos descontos de empréstimo pessoal realizado com instituição financeira que comprometia o salário do consumidor, pelo uso sucessivo do crédito, bem como a devolução dos valores descontados e ressarcimento por danos morais. 

De acordo com o juiz Rodrigo Costa Nina, autor da sentença, “embora a Lei  14.181/2021 tenha trazido à categoria de direito básico do consumidor a preservação do mínimo existencial na repactuação de dívidas e na concessão de crédito, e o Decreto-Lei 11.150/22 o tenha regulamentado em 25% do salário mínimo, a sua aplicação aos casos concretos depende do cumprimento de todas as etapas de um processo específico, chamado processo de repactuação de dívida e de que reúna todos os credores, não podendo ser declarado superendividado em ações avulsas contra somente um ou outro credor, escolhido aleatoriamente, sob pena de desvirtuamento da norma jurídica que objetiva a reeducação do consumidor e seu retorno ao mercado do crédito”.

PROCESSO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS

“É nesse campo que terá o consumidor o espaço para, diante de todos os credores, apresentar sua real situação, trazendo sua proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservando o mínimo existencial estabelecido no Decreto Lei 11.150/2022, primando, assim, pela conciliação e, se esta não for atingida, aí sim, por meio da intervenção estatal (provimento judicial)”, destacou o juiz, que é coordenador do Núcleo de Apoio às Unidades Judiciais – NAUJ. 

Ainda de acordo com o entendimento do juiz, mesmo que seja credor único, o processo prevê rito próprio diferente de uma ação avulsa simples, porque necessariamente há de ser instruído com a proposta de plano de pagamento com prazo máximo de cinco anos, diferentemente do que se tem visto nas ações ordinárias já em trâmite na Justiça estadual.

“Note-se que nesse tipo de processo não haverá qualquer tipo de anistia de dívida ou suspensão de descontos por determinação judicial, ou ainda enriquecimento sem causa do consumidor, mas tão somente intervenção estatal no negócio jurídico, por força de lei, para trazer a parcela mensal ao limite estabelecido no ordenamento jurídico em julho de 2022, a fim de garantir o mínimo existencial, como corolário do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, com primazia da conciliação e em último caso por decisão judicial”, conclui a sentença judicial, de 17 de outubro de 2022.