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MPF pede que Incra e União concluam em 180 dias titulação de território quilombola no Maranhão.

Ação Civil Pública aponta que trâmite da regularização fundiária, iniciado há mais de dez anos, das terras da Comunidade Vila Fé em Deus, em Santa Rita (MA), está praticamente parado, evidenciando a inércia dos órgãos estatais

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública contra a União e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) pedindo, em caráter liminar, a conclusão em 180 dias, sob pena de multa, o processo de titulação de território tradicionalmente ocupado pelos remanescentes de quilombos da Comunidade Vila Fé em Deus, no município de Santa Rita (MA). Iniciado há mais de dez anos, o trâmite da regularização fundiária está praticamente parado, evidenciando a inércia dos órgãos estatais.

Na ação, o procurador da República Hilton Melo requer, também liminarmente, no prazo de 60 dias, a realização de um levantamento para identificar os conflitos fundiários existentes na região, com geolocalização das áreas e identificação de pessoas estranhas à comunidade. Ele pede ainda a execução de medidas para proteção do patrimônio e da posse da comunidade, a interdição das atividades não relacionadas com as dos quilombolas e a adoção de medidas para impedir novo ingresso de terceiros nas terras.

A comunidade quilombola Vila Fé em Deus obteve a certificação de autodefinição quilombola, emitida pela Fundação Cultural Palmares (FCP) no ano de 2010 e, no mesmo ano, protocolou pedido de regularização fundiária. O Incra é obrigado legalmente a defender a posse de comunidades remanescentes de quilombos durante todo o processo de titulação das terras, conforme artigo 15 do Decreto 4.887/2003. Além disso, a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre povos indígenas e tribais, prevê a necessidade de adoção de medidas para garantia das terras às populações tradicionais, além do critério de autoidentificação para o reconhecimento das comunidades.

Segundo informações fornecidas pelo próprio Incra, a região é marcada por um conflito pela posse de terras. No entanto, observa o procurador da República, não houve adoção de providências suficientes e adequadas por parte da autarquia, verificando-se a omissão do órgão em defender a integridade do patrimônio cultural nacional.

Segundo a ação do MPF, em agosto de 2022, uma representação foi recebida dando conta de que indivíduos estariam vendendo terrenos situados no interior do território quilombola e fazendo ameças de morte aos integrantes da comunidade. Esse fatos foram corroborados durante a condução do inquérito civil conduzido pelo MPF, tendo a venda de terrenos continuado até o fim do ano passado – quando os pretensos proprietários colocaram cercas e lotearam algumas áreas utilizadas de forma coletiva pelos quilombolas.

Para o procurador Hilton Melo, a ausência de delimitação das terras da comunidade tem contribuído para a continuidade de episódios de violência, o que, de fato, ficou constatado no inquérito civil que resultou na propositura da ação civil pública. Ele critica a inação do Incra em dirimir o conflito e a demora do órgão na condução do procedimento de demarcação, sem a apresentação de justificativa plausível para ter deixado de realizar, há tanto tempo, os estudos necessários à publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da comunidade.

“Essa omissão, que decorre da falta de conclusão do processo administrativo mencionado, representa patente lesão aos direitos constitucionais assegurados às comunidades quilombolas a partir do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal, o que afigura-se inaceitável sob a perspectiva jurídica, mormente diante da ausência de comprovação da impossibilidade material (motivo sério e intransponível) de ultimar o procedimento em prazo razoável”, afirma.

Proteção constitucional – A Constituição assegura a proteção das terras que estejam ocupadas pelas comunidades remanescentes de quilombos diretamente no artigo 68 do ADCT, ao estabelecer que a elas seria “reconhecida a propriedade definitiva, devendo o estado emitir-lhe os títulos respectivos”. Trata-se de um direito que se relaciona intimamente com a proteção conferida aos diversos grupos sociais formadores da sociedade brasileira. A proteção dessas terras é exigência para afirmação da dignidade humana de um grupo étnico portador de especial formação histórica brasileira.

O Decreto nº 4.887/03 regula o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação relativo a esses territórios, sob responsabilidade do Incra. A titulação é a última etapa desse processo. Ela é reconhecida e registrada mediante outorga de título coletivo e pró-indiviso às comunidades, com obrigatória inserção de cláusula de inalienabilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade.

Pedidos – Em razão da urgência, que exigem adoção de providências judiciais para garantir a proteção da área em benefício da comunidade quilombola e, considerando o risco de acirramento do conflito na região, o MPF requereu, liminarmente, uma série de obrigações. Ele requer que a justiça determine ao Incra, no prazo de 60 dias, a realização de levantamento voltado à identificação circunstanciada dos conflitos existentes na área tradicionalmente ocupada pela comunidade quilombola Vila Fé Em Deus, contendo a geolocalização das áreas, a identificação e a manifestação dos pretensos possuidores/proprietários estranhos à comunidade; a execução de medidas administrativas e judiciais necessárias à defesa do patrimônio e da posse da comunidade, visando a resolução pacífica e consensual dos conflitos, bem como a retirada dos turbadores ou esbulhadores eventualmente identificados; a imediata interdição ou limitação administrativa das atividades identificadas no interior da área ocupada pela comunidade, que não se relacionem com as atividades dos quilombolas, além de quaisquer outros atos identificados como ilícito ambiental, esbulho ou turbação à posse da comunidade; e a aposição de marcos físicos suficientes para impedir novo ingresso de terceiros, com a aposição de placas a indicar tratar-se de área sob litígio, com a inscrição de dados sobre a ação judicial movida pelo MPF e os termos de eventual decisão proferida.

Já no prazo de 180 dias, a ação pede que o Incra e a União concluam o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) referente à comunidade quilombola de Vila Fé em Deus, publicando suas conclusões no Diário Oficial da União, bem como o processo administrativo em curso, procedendo às medidas necessárias para a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro dos territórios tradicionalmente ocupados pela comunidade, no prazo de 180 dias, a contar da publicação do RTID no Diário Oficial.

No mérito da ação, o MPF pede que sejam confirmados os pedidos liminares, determinando às rés as obrigações de fazer dispostas nestes pedidos.