Maranhão tem baixa transparência de dados sobre desmatamento e 77% de ilegalidade
Cuiabá, MT – O estado de Maranhão tem baixa transparência de dados sobre autorizações de supressão vegetal (ASVs) e, com isso, dificulta o controle da ilegalidade de desmatamento, que pode chegar a 77% do total.
É o que aponta um estudo inédito desenvolvido por pesquisadores do Instituto Centro de Vida (ICV), Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e que contou com apoio do WWF-Brasil.
O levantamento considerou as bases de dados de autorizações de supressão da vegetação nativa emitidas até o segundo semestre de 2020 nos onze estados que compreendem a Amazônia e o Matopiba.
Foram analisados o acesso e a disponibilização das bases de autorizações de desmatamento por meio da verificação de sites das agências estaduais de meio ambiente e do Ibama, dos Diários Oficiais dos estados, e da situação dos Órgãos Estaduais de Meio Ambiente (OEMAs).
O Maranhão é um dos cinco estados da região que não disponibiliza qualquer base de dados sobre autorizações de supressão vegetal (ASVs) em seus sites.
Entretanto, é um dos seis que publicam as ASVs concedidas nos Diários Oficiais Estaduais (DOEs). Não informa, porém, a área de supressão requerida, o que, segundo o documento, “dificulta o levantamento da área total de desmatamento autorizado no período”.
Além disso, foram feitas solicitações aos órgãos públicos, via Lei de Acesso à Informação. O Maranhão indicou indisponibilidade temporária das informações.
O estudo também avaliou a qualidade das bases de dados em relação a critérios como identificação dos requerentes, formato, data de emissão, validade e área.
Para o Maranhão, foram utilizadas três bases disponíveis no Sinaflor, mas com dados apenas do período de 2018 a 2020.
A avaliação concluiu que o nível de qualidade dessas informações no estado é de nível médio, por possuir somente um ponto de referência especial.
BAIXA TRANSPARÊNCIA EM TODOS OS ESTADOS
O estudo detectou que a transparência dos dados das ASVs na área abrangida é bastante precária, com informações inexistentes ou disponibilizadas em formato inadequado ou incompleto. Do modo como estão apresentadas, fica impossível diferenciar o desmatamento legal do ilegal, o que é fundamental para reduzir o ritmo da derrubada de florestas.
“Observamos um quadro preocupante de bases de dados oficiais de baixa qualidade, assim como a limitação ou mesmo a indisponibilidade de acesso a informações ambientais que, por lei, deveriam estar disponíveis à sociedade”, afirma Ana Paula Valdiones, coordenadora do Programa de Transparência Ambiental do ICV e uma das autoras do estudo.
O estudo observou ainda que há uma discrepância entre os estados: enquanto Amazonas, Roraima, Pará e Bahia apresentam uma área total de ASVs que corresponde a menos de 2% do desmatamento no período, em estados como Amapá e Roraima esse valor supera os 30%.
“Vale ressaltar que as áreas desmatadas nem sempre coincidem com as indicadas na ASV, temos casos em que a ASV é emitida e o desmatamento não é realizado, ou é feito fora do período da validade da ASV. Então, o nível total de ilegalidade pode ser ainda maior, e somente análises utilizando informações georreferenciadas poderiam chegar a uma estimativa de ilegalidade minimamente confiável”, explica Vinícius Guidotti, coordenador de Geoprocessamento do Imaflora, um dos coautores do estudo.
Mas, apesar da indisponibilidade de dados georreferenciados para todos os estados, a conclusão é de que 94% da área desmatada entre 2018 e 2020 nos biomas Amazônia e Cerrado nos estados incluídos na análise não possui ASVs disponíveis publicamente e, portanto, podem ser considerados ilegais. Isso corresponde a 18 milhões de hectares, área superior aos territórios somados da Dinamarca, Holanda, Bélgica e Suíça. No caso do Maranhão, a ilegalidade pode chegar a 77% das derrubadas.
“É urgente haver maior esforço técnico e vontade política no cumprimento da legislação ambiental e da Lei de Acesso à Informação (LAI). Caso contrário, a falta de transparência seguirá como escudo para a continuidade da destruição dos ecossistemas”, conclui Raoni Rajão, coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais (LAGESA) da UFMG e outro autor da pesquisa.
Essa falta de transparência se converte em risco de mercado, uma vez que é crescente a pressão por rastreabilidade de compradores, bem como investidores nacionais e internacionais por cadeias de valor livres de desmatamento. A União Europeia, por exemplo, está negociando uma legislação para garantir que as cadeias de fornecimento dos países da UE sejam “limpas”, ou seja, sem importação de produtos provenientes de áreas desmatadas.
“Este novo estudo aponta que o Brasil não vem implementando a legislação ambiental e de acesso à informação de forma séria e responsável, como a sociedade espera de suas autoridades. Mostra uma enorme precariedade com relação à transparência de dados de desmatamento, uma espécie de estímulo oficial à aceleração do desmatamento e ao cometimento de crimes impunes. Um quadro que só traz prejuízos a todos os brasileiros e à nossa imagem no exterior, assim como à reputação de nosso setor privado e dos produtos agropecuários que vendemos. A pergunta que não conseguimos responder é: quem está se beneficiando de tudo isso?” pondera Frederico Machado, líder de Conversão Zero do WWF-Brasil.