Alimentos similares invadem os supermercados e podem enganar o consumidor
Leite virou “bebida láctea”, café se transformou em “bebida sabor café” e creme de leite agora é “mistura de creme de leite”. Sempre que a inflação está alta e os preços dos alimentos lá em cima, a indústria tenta se adequar ao bolso do consumidor.
O lançamento de produtos similares mais baratos como alternativas aos tradicionais é um exemplo. A semelhança das embalagens e o local de exposição nos mercados, contudo, podem confundir o cliente, que acaba levando para casa um item pensando ser outro.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15) – prévia da inflação oficial no país – mostra que os preços de alimentos e bebidas aumentaram 5,9% em 2022.
Com a renda comprimida, as famílias brasileiras precisam encontrar maneiras de tornar o dinheiro suficiente para manter os alimentos no carrinho. A oferta de similares auxilia na variedade de produtos mais baratos nos supermercados. Porém, além de melhor organização para comprar com o vale alimentação, é preciso estar atento às práticas adotadas pelas marcas.
Igualmente, para quem faz uso de vale refeição, recomenda-se atenção aos pratos e cardápios ofertados. Refeições fora de casa, leite e frutas influenciaram na alta dos alimentos ao longo de 2022, segundo o IPCA-15.
Produtos se misturam nas prateleiras e confundem clientes
Produtos similares se misturam aos tradicionais nas gôndolas e prateleiras dos supermercados. Para além das semelhanças na rotulagem, é possível identificar ainda problemas na exposição dos itens, o que acaba dificultando a diferenciação entre as mercadorias pelo consumidor.
Em reportagem especial, O Globo encontrou esses e outros problemas em diversas redes de supermercado no Rio de Janeiro, por exemplo. É o caso de mixes de manteiga e margarina dispostos no meio das manteigas, e caixas de mistura de creme de leite entre os produtos tradicionais.
Outros exemplos incluem dificultadores nas etiquetas. Uma marca de mix de manteiga e margarina traz na etiqueta a palavra blend – mistura em inglês – embora o uso de termo estrangeiro seja vedado pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Queijos processados sabor requeijão estão sendo apresentados ao consumidor como requeijão na etiqueta de preço.
Qual a maneira correta de apresentar esses itens?
Segundo o professor de Direito do Consumidor no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), Ricardo Morishita, em entrevista à imprensa, as mercadorias similares apresentam um desafio extra de informação. Isso porque existem diferenças qualitativas na mudança de fórmula desses produtos.
Essa tendência exige que a informação seja clara em toda a cadeia que envolve a venda dos itens. O desafio, portanto, não é apenas do fabricante na rotulagem, mas também dos mercados no modo de apresentá-los ao consumidor, para que ele faça uma escolha consciente de fato.
O professor e coordenador do curso de Publicidade e Propaganda da ESPM, Eduardo França, pondera, na entrevista, que a organização do mercado é feita por setores e, assim, faz sentido que mercadorias similares fiquem lado a lado.
A advogada do programa de Alimentação Saudável do Instituto de Defesa ao Consumidor (Idec), Mariana Gondo, argumenta, todavia, que esses produtos não deveriam ser colocados nas prateleiras entre itens tradicionalmente conhecidos pelo público, para garantir clareza.
A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão do Ministério da Justiça, afirma, em nota, que, quando o cliente se confunde, fabricante e varejista podem ser responsabilizados.
Procon está atento ao fenômeno de similares
Em parecer ao portal InfoMoney sobre a questão dos similares, o Procon/SP afirmou estar atento ao aumento da oferta desses itens, apresentados ao público em embalagens muito parecidas às tradicionais, que podem induzir o consumidor a levar um produto que não desejava para casa. O órgão reforça que a “informação clara, correta e verdadeira é um dos direitos básicos previstos pelo Código de Defesa do Consumidor”.
Segundo o Procon/SP, é importante que as marcas demonstrem as características de cada produto, indicando quais as diferenças nutricionais e apontamentos individualizados de consumo para cada um. É válido ainda apresentar documentos como informes, mídias de divulgação e materiais publicitários dos produtos similares.