Uso excessivo de telas está associado a atraso de fala em crianças autistas, apontam estudos
Pesquisas recentes relacionam tempo de tela com dificuldades de linguagem; especialistas destacam estratégias para reduzir riscos e estimular a comunicação
O impacto do tempo de tela no desenvolvimento infantil vem sendo alvo de estudos em diferentes países. Uma pesquisa publicada no JAMA Pediatrics acompanhou crianças desde os 12 meses e identificou que a exposição prolongada às telas nesta idade esteve associada a atrasos de comunicação observados aos 2 e 4 anos de idade. Já uma revisão de evidências sobre a primeira infância mostra que quanto maior o tempo diante de telas, menores são as oportunidades de interação, fator considerado essencial para a aquisição da fala e da linguagem.
Essa relação também se reflete no autismo. Um estudo realizado com crianças no Transtorno do Espectro Autista (TEA) observou que aquelas que passavam mais tempo em frente a telas apresentaram pior desempenho em indicadores de linguagem. Revisões recentes também indicam que crianças com TEA tendem a ter uma exposição maior às mídias digitais do que seus pares com desenvolvimento típico.
Para a neuropsicopedagoga Silvia Kelly Bosi, especialista em autismo, a questão central está na redução de interações sociais. “Na intervenção com TEA, priorizo rotinas que aumentam as trocas com outras pessoas, porque são elas que desenvolvem a comunicação funcional. A tela, quando usada de forma passiva e prolongada, tira essas oportunidades. Por isso, recomendo que, se houver uso, seja sempre com tempo definido e participação ativa de um adulto.”
A fonoaudióloga Angelika dos Santos Scheifer complementa que a prática da fala depende de situações reais de comunicação e que a tela só faz sentido quando usada como mediadora.“Se a tela for utilizada, é fundamental que ela venha como um meio de interação entre o adulto e a criança. O adulto precisa saber o que a criança está assistindo, conversar com ela sobre aquilo e aproveitar daquilo que ela gosta para criar contextos de interação, de brincadeira e de convivência natural. Assim, ela deixa de ser apenas espectadora e passa a ter uma ferramenta que facilita o uso da linguagem.”
Angelika detalha ainda que esse processo deve ir além de apenas repetir palavras. “Muitas pessoas interpretam a ideia de pausar o vídeo e conversar como algo mecânico, do tipo ‘fala gato, fala casa’. Não é isso. O mais importante é falar sobre o que está acontecendo e, principalmente, trazer essa temática para fora da tela. Se a criança gosta muito de um desenho com gatos, por exemplo, depois de desligar a televisão é possível buscar brincadeiras que tenham gatos, observar objetos do cotidiano que tragam esse contexto ou cantar músicas que mencionem o tema. Isso aumenta a chance de que ela se interesse e se engaje em outros momentos de interação.”
Sociedades médicas como a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a American Academy of Pediatrics (AAP) recomendam evitar telas até os 2 anos de idade, limitar a uma hora diária entre 2 e 5 anos — sempre com supervisão —, e garantir que o tempo diante de dispositivos não substitua brincadeiras, sono e atividades físicas.
O consenso entre pesquisadores e especialistas é claro: a chave não está apenas no tempo de tela, mas em como ele interfere na qualidade da interação. Para crianças autistas, esse equilíbrio é ainda mais importante, já que a estimulação precoce da fala e da comunicação pode fazer diferença significativa em seu desenvolvimento.
Caso queira se aprofundar na pauta, fico à disposição para fazer a ponte de entrevista com as especialistas.
Angelika dos Santos Scheifer
Fonoaudióloga, pós-graduada em Avaliação e Reabilitação em Motricidade Orofacial e Distúrbios de Fala e Linguagem, formação avançada em PECS, formação em laserterapia para clínica fonoaudiológica e aprimoração em ação fonoaudiológica no TEA. Produtora de conteúdo digital para promoção de saúde em fala e linguagem. Atua em atendimento clínico e em treinamento familiar para o desenvolvimento da fala infantil, com consultas presencial e online para todo o Brasil.
Silvia Kelly Bosi
Cientista e neuropsicopedagoga, graduada em Psicopedagogia Clínica e Institucional, com especializações em Autismo, Desenvolvimento Infantil, Análise do Comportamento, Neurociências e Neuroaprendizagem. Certificada internacionalmente pelo CBI of Miami em Desenvolvimento Infantil e Avaliação Comportamental. Mestranda em Atenção Precoce pela Universidad del Atlántico (Espanha) e Perita Judicial certificada pela PUC-Rio. Atua com foco em avaliação neuropsicopedagógica e intervenção nos contextos clínico e educacional.
