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Precisei vender meus bens e me mudar para ter acesso a tratamento”, relata paciente de câncer de mama

Ser mulher e estar na faixa dos 40 anos é, atualmente, sinônimo de estabilização na carreira, possível constituição de família, e um período de descobertas e amadurecimento dos aprendizados conquistados desde o início da vida adulta. Contudo, dados atualmente demonstram que 40%1 dos diagnósticos de câncer de mama acontecem em mulheres jovens, em plena idade ativa, o que coloca em xeque diversos planos e projetos.

O câncer de mama atinge mais de 66 mil mulheres por ano no Brasil2, e cerca de 35%3 dos casos são identificados já em fase metastática, ou seja, quando o tumor se dissemina e passa a atingir outras partes do corpo4. Dados alarmantes do Radar do Câncer demonstram queda de 48%5 em 2020 e 50% em 20215 na realização de mamografias e demais exames de rastreamento durante a pandemia.

“Já se fala sobre o pós-pandemia e, quando o tema é câncer de mama, temos receio de que se avizinha uma epidemia de diagnósticos já na fase avançada da doença. Se juntarmos isso com o crescimento de casos em mulheres jovens, temos uma outra preocupação: essas pacientes são economicamente ativas e precisam pausar ou até mesmo rever os planos de vida para tratar do tumor”, relata o Dr. André Abrahão, diretor médico da Novartis Oncologia.

O SUS está há quase 20 anos sem atualização de novas tecnologias para tratar pacientes de câncer de mama metastático do tipo mais comum², apenas 20%6 dos casos possuem opções acessíveis na rede de saúde pública. Tratamentos mais modernos que oferecem maior tempo de vida e com mais qualidade estão disponíveis nos planos de saúde, que atendem somente 25% da população brasileira.

“As terapias disponíveis hoje no sistema público de saúde, assim como as políticas públicas, priorizam as pacientes pós-menopausa, ou seja, que estão acima dos 50 anos. Isso demonstra uma inequidade dentro do próprio sistema, uma vez que uma parte significativa das pacientes está descoberta”, completa o especialista.

Esse foi o caso da vendedora Socorro Cardoso, 41, moradora de Abaetetuba, cidade do interior do Pará. Com a descoberta de um câncer de mama em março de 2020, logo no início da pandemia, a paciente precisou mudar toda a sua vida para tratar o tumor.

“Estávamos em início de pandemia, o que já dificultou a realização do meu atendimento médico”, comenta a paciente. Socorro conseguiu realizar o exame de mamografia apenas em Belém, localizada a duas horas de distância da cidade natal. “Descobri que tinha câncer no segundo estágio da doença. Foi desesperador”, conta.

Para ter acesso a tratamento, Socorro voltou para Abaetetuba e vendeu todos os bens da família e se mudou para Belém com o marido e os dois filhos, para iniciar o tratamento em uma clínica particular.

Atualmente, o tumor da paciente está em remissão e ela está de volta para sua cidade, mas questiona: “Para mim já foi difícil, mas imagina para alguém que não conseguiria fazer como fiz?”

A queda nas mamografias preocupa especialistas, já que a demora em receber um diagnóstico pode, muitas vezes, ser decisiva para o prognóstico. Segundo o Dr. André Abrahão, há uma grande demanda represada e que requer atenção de toda a sociedade. “É importante que as mulheres fiquem atentas a qualquer alteração nos seios, como inchaços, manchas, caroços e dores. Mesmo durante a pandemia, os exames de rotina não podem ser deixados de lado, pois, quanto antes for feito o diagnóstico e o iniciado o tratamento, maiores são as chances de cura para as pacientes”, alerta.

“Atualmente, pacientes que têm acesso a saúde privada possuem acesso a medicamentos e tecnologias avançadas, o que mostra um gargalo em comparação com o sistema público. Não é possível permitir menos de um terço da população possa fazer uso de terapias que realmente façam a diferença na vida dessas pacientes, que promovem mais longevidade e qualidade de vida”, comenta Dra. Maira Caleffi, presidente voluntária da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (FEMAMA).

“No pós-pandemia teremos muitas mulheres em estágio avançado da doença e, mesmo com medicamentos mais tecnológicos disponíveis, eles não serão acessíveis para todas. Se pensarmos na totalidade dessas pacientes, levando em conta classe social e diferentes faixas etárias, a pergunta que fica é: estamos nos preparando para atendê-las?”, completa a médica.

Referências

  1. Mais de 40% dos casos de câncer de mama acontecem em mulheres com menos de 50 anos. Disponível em: https://www.femama.org.br/site/br/noticia/mais-de-40-dos-casos-de-cancer-de-mama-acontecem-em-mulheres-com-menos-de-50-anos
  2. Instituto Nacional do Câncer. Estatísticas do Câncer. Disponível em: https://www.inca.gov.br/numeros-de-cancer.
  3. Estudo AMAZONA III/GBECAM 0115 – P2-09-11. Prevalence of patients with indication of genetic evaluation for hereditary breast and ovarian syndrome in the Brazilian cohort study – AMAZONA III. 2019. Disponível em: https://www.abstractsonline.com/pp8/#!/7946/presentation/701
  4. Instituto Oncoguia. Câncer avançado, metástase e metástase óssea. Disponível em: http://www.oncoguia.org.br/conteudo/cancer-avancado-metastase-e-metastase-ossea/13285/357/
  5. Radar do Câncer. Painel Covid. Disponível em: http://radardocancer.org.br/painel/covid/.
  6. CONITEC – Trastuzumabe chega ao SUS para tratar câncer de mama metastático. 2018. Disponível em: http://conitec.gov.br/ultimas-noticias-3/trastuzumabe-chega-ao-sus-para-tratar-cancer-de-mama-metastatico.
  7. Agência Nacional de Saúde. Dados gerais. Disponível em: https://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-gerais.