Lançada campanha de Combate à Violência Menstrual com apoio do TJMA
“Elas usam uns pedacinhos de pano – não existe isso. Se estiverem num lugar e acontecer, correm para o banheiro para se encher de papel higiênico”. O relato da ialorixá mãe Zelita Sampaio Alves, durante o lançamento da campanha de Combate à Violência Menstrual, no Fórum de São Luís, nesta terça-feira (14), traz a experiência de quem já ajudou – e ainda acompanha – muitas adolescentes sem acesso a recursos para a compra de absorventes. A ação do movimento Mulheres de Axé do Brasil conta com o apoio do Tribunal de Justiça do Maranhão.
A organização, com participação de várias instituições, espera arrecadar um milhão de absorventes até o dia 20 de novembro em todo o estado, o segundo onde a campanha é lançada, sendo antecedida por apresentações ritualísticas de matriz africana. A violência menstrual é a falta de acesso das pessoas que menstruam a recursos, infraestrutura e conhecimento para o cuidado da sua menstruação. O projeto tem como objetivo arrecadar absorventes descartáveis para essas pessoas.
O apoio do TJMA, por meio do Comitê da Diversidade, da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Cemulher) e da Coordenadoria de Monitoramento, Acompanhamento, Aperfeiçoamento e Fiscalização do Sistema Carcerário (UMF), visa dar suporte logístico e de infraestrutura junto com a Defensoria Pública do Estado.
“Trata-se de uma iniciativa que visa garantir a promoção de direitos humanos das pessoas que são vulneráveis, nessa perspectiva dos direitos reprodutivos. O estado de menstruação para muitas mulheres, especialmente as mais pobres e também as mulheres encarceradas, traz consigo uma série de limitações, de restrições à própria promoção da dignidade humana”, explicou o juiz Marco Adriano Ramos Fonseca, coordenador do Comitê de Diversidade do TJMA.
O juiz destacou a conexão da iniciativa com a temática racial, já que trata-se de um movimento de mulheres negras, que iniciou o projeto em âmbito nacional. Exemplo disto é a participação da própria ialorixá Zelita Sampaio, integrante da Irmandade da Boa Morte, em Cachoeira, na Bahia, que se integrou ao movimento Mulheres de Axé do Recôncavo e, depois, ao movimento nacional.
Assim como a ialorixá, a presidente do Conselho Municipal da Condição Feminina de São Luís, Sílvia Leite, viveu de perto a realidade dos “paninhos” no começo. Sílvia realizou uma pesquisa sobre pobreza menstrual, com dados da ONU, para apresentar no evento. Segundo os dados, cada mulher tem cerca de 450 ciclos menstruais durante a vida e utiliza, em média, 20 absorventes por ciclo, com estimativa de uso de quase 10 mil absorventes durante toda a idade fértil. Considerando o custo médio de sessenta centavos por absorvente, chega-se a R$ 6 mil. Ela frisou que a dificuldade maior de acesso no Brasil, segundo estudos, é da população negra.
CAMPANHA NACIONAL
A coordenadora nacional da Campanha de Combate à Violência Menstrual e coordenadora estadual das Mulheres de Axé do Brasil, Ana Rosa Silva, espera que sejam atendidas meninas e mulheres em situação de rua, meninas em situação de vulnerabilidade e mulheres em situação de cárcere. Ela ressalta que o movimento de arrecadação também busca visibilizar todas as violências que ocorrem da falta de absorventes para meninas e mulheres no estado.
Para atingir a meta de um milhão de absorventes doados, Ana Rosa Silva diz que a campanha conta com os 47 núcleos da Defensoria Pública do Estado, parceria com gestoras municipais da mulher, além das comarcas do TJMA, que são parceiras na arrecadação.
A coordenadora estadual informou que está sendo pleiteado junto aos parlamentares do estado que seja aprovado um projeto de lei para distribuição gratuita nos postos de saúde do estado.
“Nós, além da arrecadação, estamos, realmente, buscando fazer com que todo esse movimento político, que seja a busca por política pública e da distribuição dentro desses ambientes, seja de fácil acesso a todas as meninas e mulheres”, contou Ana Rosa Silva.
A deputada Ana do Gás acrescentou a luta por um anteprojeto de lei de inclusão do absorvente na cesta básica e da indicação do projeto de lei para distribuição nas escolas, agora ampliado com pedido de distribuição nos postos de saúde.
ESTADOS
A coordenadora nacional do movimento Mulheres de Axé do Brasil, a iyalaxé Jussara Lopes, informou que, embora o Maranhão seja o segundo estado de lançamento da campanha – a Bahia foi o primeiro – a arrecadação já está sendo feita em 14 estados.
“Eu sou enfermeira. E trabalhar isso, pra mim, é trabalhar a saúde pública, em primeiro lugar, e, também, dar essa oportunidade da dignidade menstrual para as mulheres que vivem encarceradas e as meninas que vivem em vulnerabilidade social. Pra nós, a menstruação é sagrada, então não tem que ser um momento de tormento para ninguém”, entende Jussara Lopes, ao destacar a ajuda mútua entre mulheres de matriz africana.
ARRECADAÇÃO NO JUDICIÁRIO
O Judiciário maranhense já instalou um ponto de arrecadação no Fórum Desembargador Sarney Costa, na capital, e estenderá a ação às comarcas que aderirem, principalmente as que têm unidade prisional feminina.
“Esse estado menstrual é um estado de gênero, de dignidade. A gente percebe que tem muita evasão escolar, por conta de adolescentes que não têm acesso ao absorvente, então isso aí é um prejuízo imenso para essas adolescentes”, observou a juíza Lidiane Melo, representando a Cemulher.
“A AMMA tem esse olhar, de estar aqui, para que a gente possa repassar, sensibilizar os colegas juízes, como um todo, dessa situação de vulnerabilidade que é a violência menstrual”, acrescentou a juíza Suely Feitosa, representando a Associação dos Magistrados do Maranhão.
A chefe do Departamento de Gestão e Articulação da Secretaria de Estado da Mulher, Antonieta Lago, disse que a administração estadual está mobilizando os municípios para que se somem à campanha.
“Fui uma menina de periferia, negra, que, assim como disse minha companheira Sílvia (Leite), nós sabemos o que é esse momento nas nossas vidas. Nós passamos mais de 30 anos menstruando e sabemos das dificuldades”, enfatizou Antonieta Lago.
Também participaram do lançamento a secretária da Criança e Assistência Social de São Luís, Rosângela Bertoldo, representando o prefeito Eduardo Braide; o subdefensor público, Gabriel Furtado; a promotora federal Chiara Ramos, representando a Abayomi Juristas Negras; Creuziane Barros (Plan Internacional); Fabíola Diniz (Conselho Nacional de Ouvidorias das Defensorias Públicas); Aldeniza Costa (secretária-adjunta de Direitos Humanos de Paço do Lumiar); Luciana Braga (chefe da Divisão Jurídica da UMF, representando o juiz coordenador, Marcelo Moreira); Joseane Cantanhede (Comitê da Diversidade); integrantes do Conselho Municipal da Condução Feminina; representantes das Mulheres de Axé; caixeiras; cantoras; músicos de percussão; meninas do Coroadinho e da Liberdade; Mulheres da Feira; babalorixás, dentre outros e outras.