Data marca combate à violência sexual contra crianças e adolescentes
Os dados oficiais disponíveis sobre o abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes são apenas a ponta do iceberg – como diz a expressão popular –, segundo organismos de proteção a pessoas nessa faixa etária. Em maio do ano passado, com dados do ano anterior, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos informou que o Disque 100 registrou, em 2019, um total de 86.837 denúncias de violações de direitos humanos contra crianças e adolescentes, 14% a mais do que no ano de 2018. A violência sexual aparece na estatística em quarto lugar no número de notificações, com mais de 17 mil casos registrados. Mas as organizações estimam que denúncias registradas representam apenas 7,5% do total real de casos.
O dia 18 de maio foi instituído pela Lei Federal nº 9970/00 como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, em razão do assassinato da menina Araceli Crespo, de oito anos, sequestrada em Vitória (ES), nesta data, em 1973, e cujo corpo foi encontrado no dia 24 do mesmo mês, desfigurado e com marcas de violência sexual.
Na próxima quinta-feira (20), o Tribunal de Justiça do Maranhão, por meio da Coordenadoria da Infância e Juventude (CIJ), em parceria com o Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) e com a Escola Superior da Magistratura (ESMAM), realiza o seminário “O enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes brasileiros: desenvolvendo paradigmas de proteção jurídica e social à luz da Lei nº 13.431/2017”, às 15h, com transmissão pelo canal TJMA Oficial no YouTube.
As inscrições gratuitas estarão abertas até esta quarta (19) no sistema acadêmico Tutor (magistrados e outros profissionais do TJMA). O público externo poderá se inscrever por meio de formulário eletrônico que estará disponível durante o evento na plataforma digital.
“Devemos ficar atentos e não fechar os olhos em relação ao abuso e à exploração sexual contra as crianças, zelando e prevenindo vidas, para que seja adquirida a conscientização necessária para o efetivo combate a este tipo de violência”, destaca o presidente do TJMA, desembargador Lourival Serejo, que estará na mesa de abertura, acompanhado dos desembargadores Paulo Velten (corregedor-geral da Justiça), José de Ribamar Castro (presidente da CIJ-TJMA) e José Jorge Figueiredo (diretor da ESMAM).
O consultor do Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) no Brasil, Benedito Rodrigues dos Santos, que será palestrante do evento a ser mediado pela juíza Marcela Santana Lobo (3ª Vara Criminal de Caxias) e pelo juiz Douglas Lima da Guia (4ª Vara de Balsas), também aponta para a prevenção.
“A violência sexual contra crianças e adolescentes é evitável e pode ser prevenida. Quando esta acontece, deve-se evitar a sua revitimização pelo Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente”, orienta Benedito Rodrigues dos Santos.
O presidente da CIJ, desembargador José de Ribamar Castro, ressalta a necessidade de mobilização geral. Especificamente em relação à criança, fala que é preciso observar as mudanças de comportamento dela, tanto na escola quanto em casa.
“É uma responsabilidade de todos nós, de toda a sociedade: dos vizinhos, da comunidade onde a criança vive, da escola, da professora. E, tão logo perceba que a criança tenha uma mudança de comportamento, ela tem que comunicar aos serviços públicos, para que tomem as devidas providências”, indica o desembargador.https://www.youtube.com/embed/AqDtUqPX_9M?rel=0
DIFICULDADE NA PANDEMIA
No final de 2020, um comunicado divulgado pelo Unicef Brasil, de estudo feito em parceria com o Instituto Sou da Paz e o Ministério Público do Estado de São Paulo, alertou que, “diante do fechamento das escolas e de outros espaços importantes para a construção de vínculos de confiança com adultos fora de casa, crianças e adolescentes ficaram ainda mais vulneráveis à violência sexual durante a pandemia da Covid-19”.
Os dados analisados foram de quantitativos sobre ocorrências de estupro de vulnerável registradas pela Polícia Civil do Estado de São Paulo, entre janeiro de 2016 e junho de 2020, obtidos mediante solicitação do Ministério Público à Secretaria de Estado da Segurança Pública.
O comunicado publicado no site do Unicef informou que, de acordo com o estudo, as denúncias de estupro de vulneráveis – aqueles cometidos contra menores de 14 anos, pessoas com deficiência ou que não podem oferecer resistência por outra causa ou condição de vulnerabilidade, como embriaguez – vinham crescendo nos últimos anos, mas, no primeiro semestre de 2020, apresentaram redução significativa (-15,7%), sobretudo nos meses de abril (-36,5%) e maio (-39,3%), em comparação ao mesmo período do ano anterior.
Segundo o estudo conjunto, 83% das vítimas eram do sexo feminino com idade até 13 anos. Em média, 7% das vítimas possuíam algum tipo de deficiência ou outra vulnerabilidade, sobressaindo a deficiência intelectual.
ATO LIBIDINOSO
O consultor do Unicef-Brasil, Benedito Rodrigues dos Santos, alerta que qualquer ato libidinoso praticado contra criança e adolescentes menores de 14 anos pode ser “caracterizado estupro de vulnerável”, segundo a Lei 12.015/2009. Ele explica que, antigamente precisava ter conjunção carnal (penetração) com emprego de violência para ser considerado “estupro”.
Ele acrescenta que para a Lei 13.431/2017 (Lei da Escuta Protegida), que agrega às Leis 8.069/1990 (ECA) e 12.015/2009 (altera o Código Penal no que tange aos crimes contra a dignidade sexual), a definição de violência sexual (sub-tipificada entre abuso sexual, exploração sexual comercial e tráfico de pessoas) é qualquer conduta “que constranja a criança ou adolescente a praticar ou presenciar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, inclusive exposição do corpo ou vídeo por meio eletrônico ou não”.
Benedito Rodrigues dos Santos explica como o fenômeno do abuso é socialmente construído.
“Segundo os historiadores como DeMause, Philippe Ariès, o envolvimento de crianças e adolescentes em práticas sexuais de adultos foi uma constante histórica silenciada pelos segredos de família e omissões da sociedade. Embora várias sociedades sempre sancionaram práticas abusivas, estas foram, de certa maneira, ‘naturalizadas’. Contudo, foi a emergência dos direitos da criança e do adolescente que transformou alguns ‘costumes’ em violação de direitos. Com o advento do ECA e legislação posterior, sobretudo a 12.015/2009, várias destas práticas foram transformadas em ‘crimes contra a dignidade sexual’ de crianças e adolescentes. É com a lei 13.421/2017 que abuso sexual é definido como ‘violência sexual’”.
ORGANISMOS INTERNACIONAIS
Para o consultor do Unicef-Brasil, a atuação de organismos internacionais, dentre eles o Unicef, tem sido fundamental para a busca de soluções e aprovação de normas.
“Os organismos internacionais, com destaque para o Unicef, sempre estiveram na articulação pela aprovação de normas internacionais de proteção de crianças e adolescentes contra violência, como a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) e o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança sobre a Venda de Crianças, a Prostituição Infantil e a Pornografia Infantil (2002) entre outros”.
Benedito dos Santos diz que o Unicef vem desenvolvendo campanhas internacionais como “We Protect – Working to protect children from the growing threat of sexual exploitation and abuse online” – trabalho de proteção a crianças da crescente ameaça de exploração sexual e abuso online.
No Brasil, prossegue o consultor, o Unicef vem apoiando todos os esforços legislativos para proteger crianças e adolescentes contra a violência sexual (ECA, Lei 12.015/2009, Lei 13.431/2017 – Lei Escuta Protegida) e dos esforços para a implementação de políticas, como o apoio à elaboração e implementação do Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Benedito Rodrigues dos Santos diz que duas iniciativas mais recentes merecem destaque: a assistência técnica (participação) ao Pacto Nacional pela Implementação da Lei 13.431/2017 e para criação de aplicativos de ajuda às crianças e adolescentes juntamente com o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.
“Os resultados que temos, até o momento, são uma maior visibilidade e maior mobilização social no enfrentamento da violência sexual, um número maior de municípios com programas e serviços de apoio às crianças e adolescentes vítimas de violência, detidamente com atuação dos CREAS e a adoção de metodologias do depoimento especial nos diversos tribunais do país. Para alcançar esses resultados, o Unicef sempre atuou em parceria com outras ONGs como a Childhood Brasil, com ministérios, governos estaduais e municipais”, destacou o consultor.
COORDENADORIA
A Coordenadoria da Infância e Juventude do TJMA é um órgão de assessoria da presidência nos assuntos da área, que tem como presidente o desembargador José de Ribamar Castro, além de ser formada por juízes membros e uma equipe de administração e apoio.
O desembargador entende que a banalização da vida, muitas vezes cessada por motivos fúteis e injustificáveis, somada aos conflitos familiares, com crianças com pais que não assumem a paternidade, a falta de renda, estão na raiz de muitos problemas. Para ele, a existência de leis para punir ou não os infratores não é suficiente.
“É necessário que exista uma conscientização dos valores da pessoa, dos valores humanos, dos valores individuais, que eles sejam garantidos”, explica.