Gasto social com crianças e adolescentes cresce, mas ainda representa menos de 2,5% do PIB
– O Gasto Social com Crianças e Adolescentes (GSCA) no Orçamento Geral da União (OGU) cresceu de 3,36% em 2019 para 4,91% em 2024, com um pico registrado em 2023, quando o índice chegou a 5,31%. É o que mostra o relatório Gasto Social com Crianças e Adolescentes no Orçamento Federal 2019–2024, divulgado nesta quarta-feira, 9, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).
O estudo analisa a alocação de recursos públicos federais voltados à população brasileira de 0 a 17 anos. Embora tenha havido aumento nos valores investidos ao longo do período analisado, os percentuais permaneceram abaixo de 2,5% do PIB nacional. A publicação também examina o contexto econômico do período e avalia como os recursos foram distribuídos entre áreas fundamentais para a infância e a adolescência, como combate à pobreza e assistência social, educação, esporte, habitação, saúde, saneamento, segurança alimentar e proteção de direitos.
De acordo com o estudo, a maior parte dos recursos do GSCA, sobretudo nos últimos anos, foi destinada às políticas públicas de transferência de renda. Em 2020, a resposta à pandemia de covid-19 alcançou R$ 125,4 bilhões, o equivalente a 57% do total do GSCA daquele ano, impulsionados sobretudo pelo Auxílio Emergencial. Desse montante, 71% foram alocados em ações de alívio à pobreza e assistência social, e 28% na área da saúde. O estudo também destaca o crescimento das transferências da União para estados, municípios e o Distrito Federal, que passaram de R$ 62 bilhões em 2021 para R$ 72 bilhões em 2022.
Segundo Enid Rocha, técnica de planejamento e pesquisa do Ipea e uma das responsáveis pela pesquisa, o estudo contribui para o acompanhamento das políticas que beneficiam esse público. “Saber quanto o governo federal investe em crianças e adolescentes é absolutamente fundamental, porque sem orçamento nós não temos políticas públicas”, explica.
Sobre os achados da pesquisa
O relatório classifica os gastos sociais em duas categorias: os específicos, voltados exclusivamente ao público infantojuvenil, como educação infantil e proteção à infância; e os ampliados, que beneficiam também outros segmentos da população, como programas de transferência de renda, saneamento e habitação. Para as ações classificadas como ampliadas, os valores são ajustados com base em indicadores (ponderadores) que permitem estimar o montante efetivamente destinado às crianças e adolescentes. Ao longo do período analisado, os gastos específicos representaram de 15% a 30% do total do GSCA.
A área de alívio à pobreza e assistência social concentrou o maior volume de recursos ao longo do período analisado, com destaque para a evolução entre 2021 e 2023, quando o valor saltou de R$ 54 bilhões para R$ 159 bilhões, em decorrência da expansão significativa do Programa Bolsa Família. Em 2022, a educação ultrapassou a saúde, tornando-se a segunda área de maior investimento dentro do GSCA, impulsionada principalmente pelo novo modelo de financiamento da educação básica. Nessa área, os gastos classificados como específicos representaram entre 68% e 84,9% dos recursos aplicados. A proteção à infância, especificamente, apresentou retração após atingir seu ponto mais alto em 2022.
A taxa de execução orçamentária – que representa o que o governo efetivamente gasta – do GSCA foi alta na maior parte do período, mantendo-se acima de 90%. A única exceção foi em 2020, quando caiu para 83,4%, no contexto da pandemia. Em 2024, a taxa de execução recuou para 93,2%, após atingir 99,5% no ano anterior, o que ajuda a explicar a queda no valor efetivamente pago no último ano analisado.
“Com essa análise, buscamos contribuir para a transparência das informações sobre os recursos públicos que são destinados às políticas voltadas para crianças e adolescentes no Brasil. Trata-se de um primeiro passo fundamental para melhorar os investimentos em políticas sociais e para fortalecer a garantia de direitos de crianças e adolescentes no Brasil. Os dados são fundamentais para que, mesmo em momentos de crises financeiras e restrição fiscal, as políticas sociais sejam devidamente priorizadas. Investir nas crianças e adolescentes é a melhor aposta que o país pode fazer agora e para o futuro, afirma Liliana Chopitea, chefe de Políticas Sociais do UNICEF no Brasil.
Recomendações e metodologia
O estudo reforça que, apesar da recuperação econômica observada no pós-pandemia — com crescimento do PIB, redução do desemprego e aumento da renda das famílias —, medidas de contenção de gastos e as mudanças trazidas pelo novo arcabouço fiscal impõem desafios adicionais ao financiamento de políticas sociais.
“É preciso alertar para a necessidade de que os esforços de ajuste fiscal sejam compatíveis com a proteção dos investimentos sociais voltados à infância e adolescência”, completa a técnica de planejamento e pesquisa do Ipea Enid Rocha.
Ipea e UNICEF recomendam que os ministérios setoriais passem a identificar, no planejamento orçamentário, quais faixas etárias são diretamente beneficiadas por cada ação, de forma a aprimorar a transparência, a gestão intersetorial e a efetividade das políticas públicas.
A análise é resultado de uma metodologia conjunta desenvolvida pelas instituições desde 2018 e constantemente aprimorada para monitorar e qualificar a alocação orçamentária voltada a crianças e adolescentes.