Padre Lancellotti critica o “higienismo” e defende população em situação de rua no 2º Encontro Nacional PopRuaJud
O padre Júlio Lancellotti foi um dos destaques do painel “Perspectivas de Futuro da Política de Atenção a Pessoas em Situação de Rua do Poder Judiciário”, realizado na manhã desta sexta-feira (15/8), no encerramento da programação matutina do 2º Encontro Nacional PopRuaJud – Justiça Emancipatória e Liberdades Substantivas. Ao lado da advogada Maria Tereza Uille Gomes, ex-conselheira do CNJ, ele participou de um debate mediado pelo conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e coordenador do Comitê Nacional PopRuaJud, Pablo Coutinho Barreto, trazendo reflexões contundentes sobre direitos humanos, justiça climática e sustentabilidade social.
Ao longo de sua fala, o padre Júlio Lancellotti destacou a distância entre as propostas e ações voltadas à população em situação de rua e a realidade vivida por essas pessoas. “Quem convive com as pessoas em situação de rua no seu dia a dia não vê aquilo que falamos e que estamos propondo na realidade. Elas continuam extremamente abandonadas, desarticuladas, sem saber, por exemplo, como acessar o Gov.BR. Hoje tudo é feito por lá, mas quem está na rua não acessa, não tem internet, não está conectado à rede”, criticou.
O sacerdote afirmou que, no contexto de um Estado neoliberal, muitas políticas públicas acabam funcionando como mecanismos de manutenção da miséria e da pobreza.
Fico muito chocado com campanhas que dizem ‘não dê esmolas’. Em 40 anos de convivência com pessoas em situação de rua, não conheci ninguém que foi para a rua por causa de pedir esmolas. Dar esmola é consequência de quem está na rua, não o motivo principal”, ressaltou.
Lancellotti também chamou atenção para o impacto da especulação imobiliária e do agronegócio na exclusão social. Segundo ele, os interesses econômicos urbanos e rurais muitas vezes tratam a população em situação de rua como “inimigo número um” de projetos de expansão. “É uma situação difícil, conflitiva e desafiadora”, avaliou.
O pároco ainda alertou contra visões romantizadas sobre essa população. “As pessoas em situação de rua não são nem anjinhos, nem demônios, são pessoas. Não estão imunes à ideologia dominante e percebem rapidamente quando o que se quer é tirá-las daquele lugar. O higienismo hoje é sofisticado, até perfumado. Para não ofender, se faz um higienismo gentil, mas ainda assim é higienismo”, disse.
Para o religioso, a credibilidade é um ponto central na relação com a população de rua. Ele defendeu a importância de coerência, tolerância e convivência genuína, mesmo em situações extremas.
Não podemos perder a credibilidade junto à população em situação de rua, de falarmos uma coisa e eles sentirem outra”, alertou.
Encerrando sua participação, o padre fez um apelo ao Judiciário, à Igreja e às instituições em geral para que atuem com ousadia. “Não tenham medo de criar! Não tenham medo de se rebelar! Sejam rebeldes!”, concluiu, sendo aplaudido pelo público.
A mesa de encerramento contou ainda com a coordenadora-geral do Comitê de Atenção à Pessoa em Situação de Rua do Poder Judiciário do Maranhão, desembargadora Maria da Graça Amorim; o conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Antônio Edílio Teixeira; e o secretário do Movimento Nacional População de Rua (MNPR), Darcy da Silva Costa.
GUARDA-ROUPA SOCIAL
O padre Júlio Lancellotti visitou, nesta sexta-feira (15/8), o recém-inaugurado guarda-roupa social do Fórum de São Luís, iniciativa do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) em parceria com o Governo do Estado, destinada a atender pessoas em situação de rua e em vulnerabilidade social.
Ele elogiou a proposta, destacando que o Maranhão “saiu na frente” ao adotar uma medida inclusiva. “É uma ideia muito interessante, porque, ao invés de proibir a pessoa de entrar de bermuda, ela pode vir aqui, pegar uma roupa e participar da audiência ou das providências jurídicas necessárias sem ser discriminada e se sentir deslocada. Parabéns, Maranhão!”, concluiu.